‘Juntos somos um gigante adormecido e que precisamos acordar’, afirma.
Delegado diz que gravação foi feita no dia 19; homem está preso no DF.
Em um CD entregue à Polícia Civil antes de se render, o homem que manteve o mensageiro de um hotel de Brasíli refém por quase oito horas pede desculpas aos brasileiros “que foram prejudicados diretamente ou indiretamente” pela ação e conta que a arma e os explosivos usados na ação são falsos. “Quero vos lembrar que juntos somos uma nação, que juntos somos um gigante adormecido e que precisamos acordar”, afirma.
A mídia foi divulgada nesta terça-feira (30). A corporação disse que a prisão administrativa – feita pela polícia – dura 24 horas e que o homem pode ser solto no final do dia, caso a Justiça não reforce a medida.
A ação, segundo Jac Souza dos Santos, foi motivada por insatisfação com o atual cenário político. “Nos tempos atuais somos insignificantes para o governo. Por isso, ele nos subestima, nos trata com total descaso.”
“Ele nos trata com total divisão: cor, raça, religião, sexualidade. Até mesmo aquisitivo. Não podemos esquecer que, apesar das divisões sociais, ainda somos um só povo e que nossas esperanças nos dê a coragem e a determinação para alcançar os nossos propósitos e ideais. Hoje o Brasil teve um dia de crise, crise essa em que eu vim reivindicar direitos por igual para todos neste território”, fala no áudio.
em delegacia de Brasília
De acordo com o delegado Paulo Henrique de Almeida, o CD foi gravado no dia 19 de setembro, dez dias antes da ação. “Isso comprova o que a gente já sabe, que foi premeditado.”
A polícia acredita que Souza agiu sozinho. De acordo com delegado, o homem responderá por sequestro, com agravante de prejuízo moral à vítima. A pena varia de 2 a 8 anos de prisão, e não há possibilidade de fiança. O sequestrador ainda pode receber multa referente aos custos da operação, que envolveu mais de 150 policiais.
Em entrevista à imprensa na 5ª Delegacia de Polícia pela manhã, o homem afirmou que a ação vem sendo planejada desde 2012. Ele conta que tentou entregar uma carta ao governo de Tocantins, onde mora, com seis solicitações relacionadas a política. No documento, ele dizia ter uma doença em estágio terminal. O homem afirma que a falta de resposta o impulsionou se programar “para uma ação maior”.
“Não sou um criminoso. Jamais tive a intenção de tirar a vida de pessoas inocentes, jamais eu teria a intenção de tirar a minha própria vida. Fui muito cauteloso ontem, durante o andamento dos nossos trabalhos”, disse. “Tudo o que eu fiz foi pelo cidadão brasileiro. Tudo o que eu faço é pelo cidadão brasileiro. Tenho que agradecer muito a Deus que tocasse no coração daqueles fuzileiros que não me dessem aquela bala ontem. Deus predestinou que eu iria lutar e irei lutar. Eu não abaixarei a cabeça.”
Souza afirmou que planeja “novas ações para chamar a atenção do povo brasileiro” – embora menores que a ocorrida no hotel – e disse não ter se arrependido do que fez, embora considere ter sido seu “maior erro”.
O homem também disse que confeccionou sozinho os explosivos falsos – usando cano de PVC, serragem e cimento – e que comprou a arma de brinquedo e as algemas na Feira dos Importados. Ele escolheu o Hotel Saint Peter em lembrança ao fato de José Dirceu, condenado no julgamento do mensalão, ter recebido oferta para trabalhar no estabelecimento com um salário de R$ 20 mil.
O homem chegou a Brasília no domingo e também deixou explosivos falsos na Rodoviária do Plano Piloto e no Aeroporto JK. Além disso, escreveu cartas de despedida a familiares como forma de dar maior “veracidade”.
“Subi para o quarto às 7h e liguei na recepção para chamar a camareira. Fechei a porta, saquei a arma de cetim. Vi que ela não estava preparada, ficou muito nervosa. Ela poderia morrer, e eu jamais quis matar uma pessoa. Posteriormente, liguei para a recepção e pedi para subir o rapaz. Foi o mesmo que me atendeu cedo. Ele passou a noite trabalhando, vi que ele estava cansado, não ia fazer isso com ele”, explicou.
Souza disse que então perguntou por algum funcionário que estivesse iniciando o plantão e solicitou a ida dele ao quarto. Quando o mensageiro José Ailton de Souza chegou, ele o questionou sobre o estado de saúde e disse ter o escolhido porque “ele tinha boa saúde”. Em entrevista ao G1, o funcionário afirmou que está com “a cabeça muito confusa” e que não tem previsão para voltar a trabalhar.
Responsável pelas investigações, o delegado Marco Antônio de Almeida disse desconsiderar a possibilidade de que o homem precise passar por uma avaliação psiquiátrica. “O discurso dele é muito coerente. Pode até ser que ele tenha algum nível de patologia, mas pessoalmente não acredito ser o caso.”
O delegado disse também que a equipe acreditou na possibilidade de um ataque terrorista e que os atiradores ficaram posicionados à espera de autorização para disparar contra o suspeito. “Ele correu um risco muito grande de se autorizar o uso de uma força letal para cessar aquela ameaça. O tomador de decisão cogitou essa possibilidade.”
Ainda segundo Almeida, os negociadores perceberam que o mensageiro começou a desenvolver a Síndrome de Estocolmo – quando a vítima passa a se afeiçoar ao sequestrador. “O senhor Ailton auxiliava o Jac. Dizia: ‘olha, cuidado, tem alguém ali, podem te atingir. Olha, ali tem uma luz’”, explica.
A vítima passou todo o tempo que durou o sequestro usando um colete com dinamites falsas e sob a mira de uma pistola de brinquedo por um homem que exigia reforma política no Brasil. O mensageiro, que mora no Novo Gama (GO) e trabalha no estabelecimento há três anos, afirma que não pretende dar detalhes sobre o caso. “Já declarei tudo à delegada”.
Segundo o delegado Paulo Henrique de Almeida, ele falou em depoimento que não sabia que a arma e o explosivo eram falsos e que sentiu medo. “Ele foi claro em falar com a gente que ele ficou bem amedrontado. Disse: ‘Se eu soubesse que era falso, eu poderia até ter reagido’. Tinha policial por perto, se ele gritasse que não eram verdadeiros seria socorrido na hora.”